quarta-feira, 15 de junho de 2011

Perdas e disputas do divórcio podem ser evitadas - (primeira e segunda parte)


       Quando a emoção fala mais alto, brigas e rixas tornam o divórcio um processo destrutivo. Mas não precisa ser assim
 
        Ninguém conta com o divórcio no começo de um relacionamento. Mas esse é o destino de um quarto dos casamentos no Brasil, segundo o IBGE. Em comum, os divórcios têm a característica de sempre serem acompanhados de um processo doloroso. Só que alguns doem muito mais que outros. “Ninguém procura o advogado porque brigou ontem. Quando o casal chega aqui, às vezes a relação está desgastada há anos”, diz Luiz Kignel, advogado de direito de família

        Se a separação é inevitável, o casal deve tentar sentar à mesa e entrar em acordo sobre três pontos cruciais: a divisão de bens, pensão ao cônjuge que eventualmente tenha deixado de trabalhar fora e se tornou economicamente dependente, e pensão alimentícia, se há filhos.
          As vantagens do acordo são muitas: é rápido, bem menos desgastante e evita que o patrimônio do casal seja “queimado” pela briga na Justiça. O problema é que, geralmente, se as duas partes estivessem em emocionalmente em condições de entrar em um acordo, não estariam se divorciando.
         Quando não há acordo, o divórcio é chamado de litigioso, nome técnico para a briga na Justiça. “Litígio nunca é melhor, mas às vezes é a única opção.”, diz Kignel. “Quando eu faço o documento de acordo, entro no Fórum às 13h e saio às 17h, com o casal divorciado. Num litígio, o juiz quer entender os motivos de cada parte, é preciso lavar roupa suja, falar mal do outro. Leva meses, anos”, diz o advogado, que brinca que, não bastando a pessoa casar errado, não consegue sair do casamento. “Já tive casais que brigaram para dividir bobagens, como xícaras de cafezinho, porque o ódio mortal era tanto que estavam indo à loucura, perdendo a razão”, afirma.
Escritório não é consultório

         Conseguir respirar fundo durante o turbilhão emocional do divórcio não é fácil. Mas é sempre melhor. Bons advogados vão tentar fazer o cliente colocar os pés no chão. “Às vezes, é preciso muita psicologia e pouca advocacia”, diz Kignel. “Você tem obrigação de trazer para o bom senso, mas a decisão sempre é dele”.
         Para a advogada Gladys Maluf Chamma, quase sempre é tecnicamente possível fazer um divórcio consensual. “O que impede é o aspecto psicológico. Às vezes, já está tudo certo para partilhar bens de maior valor, mas o lençol dado por um padrinho querido dá briga. Coisas ínfimas e insignificantes dão briga, o que só o aspecto emocional explica. Ele se sobrepõe a todos os outros”, diz. Ela já viu diversas partilhas de patrimônios milionários emperrarem no fechamento do acordo por causa de itens como um aparelho de som ou objeto sem valor econômico. “Estou em um caso em que o casal está dividindo uma casa de 20 milhões de reais. Ela não vai vender e receber a parte dela, porque não quer que ele more lá de forma nenhuma”, exemplifica.
         O pior caso que Gladys se lembra é o de um casal em um divórcio milionário que empacou na partilha de bens móveis. “Eles queriam um prato chinês especial, e todo o acordo quase foi por água abaixo porque ninguém queria abrir mão daquele prato. No fim, foi vendido para um antiquário por uma mixaria, coisa de R$ 300, para ninguém ficar com ele”, diz Gladys. “As pessoas acabam querendo atacar o outro emocionalmente, e isso pode levar para fins inimagináveis e até trágicos. A função do advogado é até mostrar para a pessoa que o emocional está influenciando negativamente as decisões dela”, afirma.
         Outro erro comum é dilapidar o patrimônio. “Por exemplo, passar bens para outra pessoa, ou vender os bens para não entrar no divórcio. Se for identificada a venda, é fraude. E às vezes é possível reaver os bens. A gente não recomenda”, diz advogada Daniella de Almeida e Silva, especializada em direito de família, do escritório Mesquita Pereira, Marcelino, Almeida, Esteves Advogados. “Já segui casos em que o patrimônio se consumiu em IPTU e outras despesas, com o passar dos anos. Tudo é muito moroso, a Justiça é muito lenta. Ainda que um dos dois perca um pouco, vale a pena um acordo”, afirma Renato Vasconcellos de Arruda, especializado em direito de família, sócio do escritório Vasconcellos de Arruda e Simões Abrão Advogados Associados.
         Para se evitar que um dos cônjuges venda bens, é recomendável fazer uma medida cautelar de arrolamento de bens, diz Vasconcellos. “Como medida preparatória, sem o outro cônjuge saber, fazer a advocacia preventiva: o advogado faz essas pesquisas e levanta um dossiê. Isso evita que o cônjuge possa dilapidar o patrimônio”, diz o advogado. Além da declaração de imposto de renda, entre as pistas para rastrear os bens estão buscas em cartórios e em contas bancárias. “Basta indicar bancos e conta com CPF que o juiz dirigente manda bloquear esse ativo”, afirma Vasconcellos.
Perdas e danos

         Mesmo com um acordo e um divórcio sem complicações, o lado emocional pode atrapalhar, e é difícil que as parte não se sintam lesadas, qualquer que seja o resultado. A gerente de trade marketing Fernanda Gradim, 29 anos, considera ter saído prejudicada do divórcio. Ela casou em comunhão parcial de bens e, com seis meses de casada, descobriu uma traição. Afirma que estava tão abalada que não teve forças para brigar. “Eu não quis litigioso, estava desgastada. Ele saiu de casa e não queria conversar. Só disse que queria separar”, afirma. Para se ver livre do relacionamento logo, ela assinou um acordo dizendo que não pediria pensão nem pleitearia morar no apartamento. “Hoje me arrependo de não ter dificultado um pouco as coisas”, diz. Ela se sente prejudicada porque ajudou na reforma do apartamento e ficou com bem menos da metade dos presentes de casamento que ganharam. “Só levei a cama, que queimei, simbolicamente, uma adega e a televisão. Fui levada pela emoção, quis me livrar dele logo”, lamenta.
        Kignel alerta: não dá para entrar num divórcio sem perder alguma coisa. “Alguns acham que tentar tirar mais do outro é uma compensação justa, acham que foram lesados, se o cônjuge foi adúltero, por exemplo”, afirma. Como adultério não causa indenização material, a tentativa de vingança vem na tentativa de se sair melhor na partilha.
      “O melhor amigo do cliente é o travesseiro. Perseguir o futuro ex-cônjuge para dar lição de moral em quem fez algo errado não adianta. Espírito vingativo só mela as chances de um acordo”, afirma.
 (continua na próxima edição, a última parte, ou veja por aqui após a saída do Jornal 06/07)

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